Líderes europeus e africanos pedem um Novo Acordo para a África [fr]
27 de Maio de 2021
Emmanuel Macron, Paul Kagame, Cyril Ramaphosa, Macky Sall
A pandemia do COVID-19 nos ensinou que não podemos mais tratar crises aparentemente distantes como problemas distantes. O que acontece em qualquer lugar pode afetar pessoas em todos os lugares. É por isso que abordar o impacto e o legado da pandemia na África é tão importante.
Embora a África tenha registrado menos casos e mortes por COVID-19 do que outras áreas do mundo, o impacto da pandemia no continente poderia ser mais sustentado, enraizado e desestabilizador para todo o planeta. Em um ano, a pandemia interrompeu um quarto de século de constante crescimento econômico, interrompeu cadeias de valor e causou um aumento sem precedentes na desigualdade e na pobreza.
Mas não é apenas a África que corre o risco de perder a oportunidade de emergir totalmente do COVID-19. A economia global pode perder um de seus futuros impulsionadores do crescimento.
A África dispõe de tudo que necessita para superar a crise da pandemia e conduzir o mundo a um novo ciclo de crescimento sustentável: uma juventude empreendedora e inovadora, recursos naturais que podem suprir uma base industrial local e um altamente ambicioso projeto de integração continental. Mas a África não tem os instrumentos para se recuperar de uma crise tão grande e tão inesperada.
Embora o Fundo Monetário Internacional estime que os países africanos precisarão de US$ 285 bilhões em financiamento adicional até 2025, não existe um plano ou mecanismo de recuperação em vigor para garantir esses recursos. Enquanto outras regiões estão vendo agora sinais de rápida recuperação econômica, a incapacidade da África de combater a pandemia com os mesmos mecanismos pode alimentar uma crise econômica e social que nega aos jovens as oportunidades de que precisam e merecem.
A solidariedade internacional começou a dar resultados logo após o início da pandemia. Os pagamentos de serviço da dívida para os países mais pobres foram suspensos no âmbito do G20 e uma excepcional assistência financeira foi disponibilizada pelo FMI, Banco Mundial e outros doadores, incluindo a Europa.
Mas as instituições que sustentaram essa solidariedade internacional por décadas estão agora chegando ao seu limite. Ficaram enfraquecidos no curto prazo por enormes desigualdades no acesso às vacinas. Também se enfraqueceram por conta das grandes divergências econômicas, que nenhuma medida emergencial parece capaz de conter.
É por isso que uma nova estrutura, um ambicioso e ousado Novo Acordo, é necessário. E o primeiro teste dessa iniciativa deve ser o acesso às vacinas contra o COVID-19. Através do COVAX, o pilar da vacina do Acelerador de Acesso às Ferramentas contra o COVID-19 (ACT) da comunidade internacional e da Equipe de Tarefa de Aquisição de Vacinas da África, centenas de milhões de doses serão entregues à África nos próximos meses. Doses pré-encomendadas de vacinas estão sendo compartilhadas por meio de canais multilaterais, com a proteção dos profissionais de saúde sendo a principal prioridade.
Mas isso não basta. A vacinação é a política econômica mais importante do mundo neste momento: seus benefícios são medidos em trilhões, seu custo em bilhões. É o investimento de maior rendimento no curto prazo. Devemos, portanto, mobilizar instrumentos financeiros inovadores para aumentar o financiamento para o Acelerador ACT, a fim de atingir a meta de cobertura de vacinação na África, definida em 60-70% pelos Centros Africanos para Controle e Prevenção de Doenças. Instamos o FMI a reconhecer o uso dos direitos de saque especiais (DESs, a unidade de conta do Fundo) para financiar esse esforço.
Além disso, como afirma a Declaração deRoma da Cúpula de Saúde Global realizada em 21 de maio, a chave para o combate a futuras pandemias é transferir não apenas licenças, mas também experiência para produtores de vacinas de países em desenvolvimento. Enquanto se aguarda a conclusão de um acordo sobre propriedade intelectual atualmente em negociação na Organização Mundial do Comércio, a África precisa ser capaz de produzir vacinas usando a tecnologia de mensageiro RNA (mRNA) e fechar um acordo, no âmbito da OMC, sobre os Aspectos Relacionados ao Comércio dos Direitos de Propriedade Intelectual (TRIPS). Com o impulso da cúpula de Paris para líderes africanos, europeus e financeiros, realizada em 18 de maio, essas parcerias de produção serão financiadas e avançarão nos próximos meses.
O segundo componente de um Novo Acordo para a África é o investimento em grande escala em saúde, educação e o combate às mudanças climáticas. Precisamos permitir que a África proteja essas despesas com investimentos em segurança e infraestrutura, evitando que o continente caia em um novo ciclo de dívida excessiva. No curto prazo, apesar do sucesso espetacular de alguns países africanos em acessar os mercados internacionais, de capital os credores privados não fornecerão os recursos financeiros necessários.
A África precisa de um choque de confiança positivo. A cúpula de Paris nos permitiu consolidar um acordo sobre uma nova alocação de US$ 650 bilhões em DES, US$ 33 bilhões dos quais irão para países africanos. Agora queremos ir ainda mais longe com dois compromissos voluntários.
Primeiro, precisamos de um compromisso de outros países para mobilizar parte de suas alocações de DESs para a África. Como um primeiro passo, essa recanalização de recursos permitiria que um limite inicial de US$ 100 bilhões fosse liberado para a África (além de países vulneráveis em outros lugares).
Em segundo lugar, as instituições africanas devem estar envolvidas no uso desses DESs para apoiar a recuperação do continente e o progresso no sentido de alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para 2030. Isso, por sua vez, pode abrir caminho para uma revisão de nossa arquitetura financeira internacional que dê maior peso às instituições africanas.
Apelamos a todos os membros da comunidade internacional para que assumam este duplo compromisso.
Finalmente, devemos nos concentrar no principal ativo da África: seu dinamismo empresarial. As empresas muito pequenas, pequenas e médias do continente são a tábua de salvação para o futuro das mulheres e jovens africanos, mas o setor privado é refém da informalidade e do subfinanciamento. É por isso que devemos nos concentrar em melhorar o acesso dos empresários africanos ao financiamento, focalizando as fases mais cruciais dos seus projetos, especialmente no início.
O objetivo da cúpula de Paris era obter um acordo sobre quatro objetivos: acesso universal às vacinas contra o COVID-19, inclusive por meio da produção na África; fortalecimento das posições e papéis das instituições pan-africanas dentro de uma nova arquitetura financeira internacional; relançar o investimento público e privado; e apoiar o financiamento em grande escala do setor privado africano. Nossa tarefa nos próximos meses será promover essas metas em fóruns internacionais e como parte do mandato de seis meses da França como presidente do Conselho da União Europeia.
Este comentário é assinado também por: António Costa, Primeiro-Ministro de Portugal; Pedro Sánchez Pérez-Castejón, Primeiro Ministro da Espanha; Alexander De Croo, Primeiro Ministro da Bélgica; Charles Michel, presidente do Conselho Europeu; Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia; Mohammed bin Salman, Príncipe Herdeiro da Arábia Saudita; Mohammed bin Zayed, Príncipe Herdeiro do Emirado de Abu Dhabi; Félix Antoine Tshisekedi Tshilombo, Presidente da República Democrática do Congo e Presidente da União Africana; Faure Gnassingbé, presidente do Togo; Alassane Ouattara, Presidente da Costa do Marfim; Abdel Fattah el-Sisi, presidente do Egito; Filipe Nyusi, Presidente de Moçambique; Muhammadu Buhari, presidente da Nigéria; Roch Marc Christian Kaboré, presidente do Burkina Faso; Azali Assoumani, presidente da União das Comores; Nana Akufo-Addo, presidente de Gana; João Lourenço, Presidente de Angola; Sahle-Work Zewde, presidente da Etiópia; Mohamed Ould el Ghazouani, Presidente da Mauritânia; Kaïs Saïed, Presidente da Tunísia; Bah N’Daw, ex-presidente do Mali; Mohamed Bazoum, presidente do Níger; Albert Pahimi Padacke, Primeiro Ministro do Chade; Abdalla Hamdok, Primeiro Ministro do Sudão; Denis Sassou Nguesso, Presidente da República do Congo; Patrice Talon, presidente do Benin; Paul Biya, presidente dos Camarões; e Moussa Faki, Presidente da Comissão da União Africana.